Obscuros Reveladores
Kardec é o antídoto para o veneno da obscuridade, da prepotência, da aparente superioridade moral, da falta de dialógica e dialética.
É fato que a Humanidade transita por um caminho que contém, em si, a dualidade. Representativamente, diversos expoentes da literatura e das artes definiram os “dois lados” em luz e sombra, assim como os filósofos e os cientistas de todos os tempos lutaram contra as imprecisões de conceitos e teorias, numa luta abissal entre verdade e mentira.
Ainda que, sujeitos ao percurso da inexorável Lei do Progresso — inserta magistralmente na terceira parte de “O livro dos Espíritos”, como a sétima das Leis Universais — tenhamos a plena consciência de que tudo é mutável, a ambiência temporal em que estejamos vivendo nos permitirá a aproximação com o conhecimento espiritual, ainda que sujeito aos vieses interpretativos dos seres humanos, sejam eles encarnados ou desencarnados, postos em permanente relação no conjunto dos mundos habitados.
Vez por outra, surgem “reveladores”
Há os que possuem gabarito para empreender missões importantes no contexto humano-espiritual e outros que são, na realidade, falsos ou pretensos reveladores. Estes últimos não são reconhecidos de forma natural por seus pares, justamente por não possuírem qualificação espiritual que os identifique, a partir de suas ações e manifestações, como portadores legítimos de revelações – quase sempre marcadas por um misticismo e um sobrenatural artificiais.
Curioso é que Allan Kardec se posicionou sempre em oposição a esses dois conceitos limitados e desqualificados: o místico e o sobrenatural. Ele afirmava que os conceitos espíritas seriam, ao contrário, lógico-racionais e pertencentes à natureza humana, considerando que o Espírito tem experiências tanto na carne quanto fora dela, na condição material e imaterial, sem que haja algo proibido ou vedado em termos de conhecimento. Assim, as individualidades, a cada passo do progresso, estariam gradativamente de posse das informações compatíveis com o seu nível de entendimento.
Podemos remetermos à história do Espiritismo, na qual o primeiro expoente a se destacar foi J.-B. Roustaing, contemporâneo de Kardec, com sua polêmica obra “Os quatro evangelhos”, cujo subtítulo – “A revelação da revelação” – evidenciava o fascínio por algo “revelador” já presente na França do final do século XIX. Esses reveladores ressurgem, ocasionalmente, na forma de médiuns que trazem explicações surreais, discursos fantásticos ou respostas místicas para situações cotidianas.
E há, também, os que nada revelam
Existem aqueles que, nem mediunicamente nem intelectualmente, oferecem verdadeiras revelações, mas que pretendem interpretar fatos ou documentos conforme seus próprios desejos, distanciando-se do rigor metodológico e dos critérios lógico-racionais de Rivail-Kardec. Tais indivíduos exaltam, por exemplo, manuscritos, cartas pessoais e outros elementos factuais “descobertos” na atualidade, os quais não trazem nada de novo ou qualquer alteração filosófica em relação ao “corpo doutrinário” das obras publicadas em vida pelo professor francês, conhecidas como Obras Espíritas.
Sempre haverá interpretações contaminadas por visões parciais, ideologias e conceitos excessivamente religiosos e dogmáticos, que tentam emprestar à fundação do Espiritismo uma revelação do oculto, do obscuro e do parcialmente interpretado pelas vertentes religiosas judaico-cristãs.
Kardec representa o antídoto para o veneno da obscuridade, da prepotência e da aparente superioridade moral, oferecendo como remédio o livre pensamento – o conceito espírita de fé raciocinada, capaz de confrontar a razão, face a face, em todas as épocas da Humanidade. É essa fé, que raciocina e que crê com prova suficiente de verdade, que o Espiritismo proclama!

Saint-Clair Lima é um estudioso dedicado do Espiritismo, com mais de 20 anos de vivência na Doutrina. Com sensibilidade e profundo respeito pelos ensinamentos de Allan Kardec, ele criou o blog Amparo Espiritual como um espaço de acolhimento, reflexão e partilha, inspirado por suas próprias experiências e pelo desejo sincero de auxiliar quem busca luz no caminho espiritual.