Sobre todos os negacionismos, por Marcelo Henrique – Portal Espiritismo com Kardec – ECK

Tempo de leitura: 8 minutos

Marcelo Henrique

De tempos em tempos, e sem uma explicação lógica, mas podendo contemplar inúmeras razões fundantes, os negacionistas ganham (ou retomam) espaço com suas “teorias conspiratórias”.

O termo negacionismo, para muitos, é algo recente. Puxando pela memória e – ainda – imersos neste “FlaFlu” da política brasileira (entre progressistas e conservadores), você irá se lembrar de toda uma retórica que ocupou espaço nas redes sociais e – pasmem! – na mídia comercial: a discussão sobre ser a Terra redonda ou plana!

Parece inacreditável, não? Mas é, tristemente, real, sendo possível encontrar ainda hoje uma legião de adeptos do negacionismo planetário (ou universal, como queiram). Devem ser da turma que não acredita, até hoje, que Neil Armstrong (Apolo 11) desembarcou em solo lunar, em 1969 (em 20 de julho de 2025 são 56 anos do feito). E, também, esses incautos simplesmente desconhecem que, depois, com as Apolos 12, 14, 15, 16 e 17, também caminharam solenemente sobre a superfície do nosso satélite natural, até 1972: Buzz Aldrin (Apollo 11); Charles “Pete” Conrad e Alan Bean (Apollo 12); Alan Shepard e Edgar Mitchell (Apollo 14); David Scott e James Irwin (Apollo 15); John Young e Charles Duke (Apollo 16); e, finalmente, Eugene Cernan e Harrison Schmitt (Apollo 17). São, portanto, doze os homens que, da visão distante, puderam “sentir” de perto a contextura lunar (Oliveira, 2024).

O fato é que, entre mitos e realidades, a Humanidade, por seus representantes espaciais, alunissou (fez um pouso lunar) e tanto as primeiras quanto as últimas situações – falsas e verdadeiras – podem ser conhecidas no texto de Guimarães (2024).

A Agência Espacial dos Estados Unidos da América (NASA) programa, agora, para 2026, um retorno à Lua, durante a missão Artemis III e, em paralelo, a China também fará o mesmo com a sua Chang’e-6. Levando em consideração o progresso tecnológico, a internet e as plataformas de streaming, já imaginamos que o número de pessoas que irá assistir ao vivo o evento será um recorde, superando os (estimados) 650 milhões que presenciaram aquela primeira viagem, pelas velhas TVs de tubo preto e branco, em 1969.

Mais recentemente, também, foi reavivada outra teoria “maluca” correlacionada à Terra: a de que o planeta azul – feliz expressão de outro astronauta, Yuri Gagarin, ao deixar a atmosfera terrestre, em 12 de abril de 1961, deslocando-se na Vostok 1 (Alves, 2021) – seria não redondo, mas plano. Que coisa!

Essa gente acredita que, navegando pelos oceanos até uma das “extremidades” da Terra, a embarcação pode “cair num abismo”, como acontece se deixarmos a água derramar sobre uma mesa ou balcão… Parece inacreditável existirem pessoas, em pleno século XXI, acreditando em tais “tonterías” (como costuma afirmar um amigo meu, espírita, argentino).

O fato é que, de tempos em tempos, e sem uma explicação lógica, mas podendo contemplar inúmeras razões fundantes, os negacionistas ganham (ou retomam) espaço com suas “teorias conspiratórias”. Especialistas costumam destacar que as negações derivam de crenças pessoais e do predomínio das emoções sobre saberes cientificamente embasados e demonstrados – as evidências científicas. Tudo em sede da pós-verdade, uma das “marcas” (negativas) da atual civilização. Como exemplos recentes podemos citar os comportamentos de inúmeras pessoas diante da (duradoura) crise climática planetária e da pandemia do coronavírus, porque se anatematizam em relação à demonstração dos efeitos dos altos níveis de emissão de gases do efeito estufa provenientes de ações humanas, bem como dos demonstrativos estatísticos de quantas vidas são salvas e o quanto melhora a qualidade de vida de pessoas que foram imunizadas.

Recentemente, um pesquisador a nível de doutorado, Jorge Garcia de Holanda, estudou o tema negacionista no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Su (UFRGS). O trabalho recebeu o título “Estéticas de um mundo plano e estacionário: Ciência, religião e conspiracionismo no ecossistema digital terraplanista” e a defesa ocorreu em 21 de agosto de 2023.

Cumpre salientar que não há ineditismo nestas performances. O geocentrismo foi o modelo cosmológico mais antigo que se tem notícia. Segundo ele, a Terra figuraria estática na posição central do Universo, sendo que os demais corpos celestes – o Sol, incluso – girariam ao redor dela. Muitos filósofos da Antiguidade, como Aristóteles, eram partidários desta esdrúxula (mas compatível com o nível de entendimento primário de tal época) teoria, consolidada na obra de Claudius Ptolomeu (78-161 d.C.), astrônomo grego, em sua obra “Almagesto”.

Tal visão foi predominante no pensamento da Humanidade até que Nicolau Copérnico (1473-1543), astrônomo e matemático polonês, resgatou os estudos do astrônomo grego Aristarco de Samos (310-230 a.C.), formulando a teoria heliocêntrica, sendo o primeiro a escrever com detalhes que a Terra giraria em torno do Sol – e este figuraria no centro do sistema solar. Para Copérnico, os planetas teriam órbitas em circunferências com o Sol na posição central. Este modelo foi reestruturado, expandido e aprimorado por Johannes Kepler (1571-1630), astrônomo, astrólogo e matemático alemão, o qual enunciou as três leis principais do movimento planetário: 1) os planetas têm órbitas elípticas com o Sol em um dos focos; 2) há uma proporcionalidade entre o tempo necessário para atravessar qualquer arco de uma órbita e a área do setor entre o corpo central e esse arco (a “lei da área”); e, 3) a “lei harmônica”, dada pela relação exata entre os quadrados dos períodos dos planetas e os cubos de suas distâncias médias ao Sol.

Mais tarde, coube a Isaac Newton (1643-1727) fornecer a explicação física causal para aquele modelo kepleriano, por meio da lei da gravitação universal, que permanece de grande valia até os dias de hoje. Por esse enunciado, quando dois corpos possuem massa, eles sofrem a ação de uma força atrativa que é proporcional ao produto entre suas massas e inversamente proporcional à distância entre eles.

Referidos conceitos denotam dois paradigmas: o primeiro, decorrente do estudo, dos experimentos e da aplicabilidade prática das teorias, sem se basear em superstições, magias, crendices ou alegorias; o segundo, pertinente à progressividade humano-espiritual e das próprias ciências materiais.

Nesse contexto, vale repisar o axioma kardeciano, contido na última e mais madura obra de Kardec: “Avançando com o progresso, o Espiritismo jamais será superado, pois, se novas descobertas demonstrarem estar em erro em um determinado ponto, ele se modificará sobre esse ponto. Se uma nova verdade se revela, ele a aceita”.

Como já afirmamos em outro texto, é premissa da Filosofia Espírita – desde Kardec até os nossos dias – estar continuamente em evolução, analisando tanto as novas comunicações espirituais (mediúnicas) quanto as produções científicas e filosóficas humanas, sempre cotejando esses conhecimentos com os princípios e fundamentos espíritas, admitindo, inclusive, que novos princípios possam ser agregados ao edifício doutrinário. Um duplo espectro, portanto, atento tanto às “revelações” dos Espíritos quanto aos avanços científicos (Henrique, 2025, s. p.).

A explicação plausível para a existência de indivíduos que partilham dessas ideias “lunáticas” – os que vivem no mundo da Lua, expressão popular para aqueles imersos em divagações irreais e surreais, os excêntricos – é encontrada na Filosofia Espírita: a Terra é um planeta de expiações e provas, no qual coexistem seres situados em distintos degraus (níveis) da exemplificativa Escala Espírita, conforme descrita na obra inaugural do Espiritismo (Kardec, 2004). Nem todos estão no mesmo patamar de inteligência e moralidade, e, por não compreenderem adequadamente tanto as leis materiais quanto as espirituais, colocam em primeiro plano suas crenças e idiossincrasias pessoais, afastando-se da lógica e da racionalidade.

Curiosamente, também no chamado “movimento espírita” há muitos negacionistas. Há aqueles que leram (ou não) as obras de Kardec, mas que frequentam grupos e instituições espíritas, assim como os “comentadores” de postagens em redes sociais, sites, blogs ou portais, ávidos por enunciar suas verdades. São pessoas que misturam suas crenças pessoais com os enunciados espíritas. Nessa lógica, como costumamos dizer, “entram no Espiritismo (grupos, instituições), mas não deixam que entre o Espiritismo (conceitos espíritas verdadeiros)”.

Então passam a enunciar as seguintes bobagens (que são contraditas nas referências indicadas entre parênteses):

  1. Yeshua é um Espírito agênere, que não teve corpo físico, pois não seria razoável suportar a quantidade de malfeitos a ele impostos, tanto físicos quanto morais (Henrique, 2021b e 2024; Lex, 2025);
  2. Yeshua não encarnou num corpo igual ao nosso, porque teria originado de uma “gravidez espiritual” e sua mãe, Myriam, teria permanecido virgem, por obra do “Espírito Santo” (Henrique, 2021b e 2024b; Lex, 2025);
  3. Yeshua ressuscitou, isto é, “subiu aos Céus”, de forma direta, razão pela qual não há notícias sobre seu corpo material, desaparecido após o sepultamento (Henrique, 2021b e 2024b; Lex, 2025);
  4. Yeshua veio à Terra apenas em caráter missionário, como Espírito Puro – Primeira Ordem, da Escala Espírita (Batista, 2024; Franzolim, 2021; Henrique, 2018a, 2021a, 2022b, 2024a e 2024b; Lex, 2025);
  5. O rustenismo (ou roustainguismo), ou seja, as ideias contidas no livro “Os quatro evangelhos: a revelação da revelação”, são compatíveis com o Espiritismo (de Kardec), pois defendem as teses acima (Garcia, 2021 e 2023; Henrique, 2021b, 2022a e 2024b; Lex, 2025; Moreira, 2023; Pires, 2025; Santos, 2024; Silva, 2025; Torres, 2021);
  6. O Espiritismo é a Terceira Revelação da Lei Divina e o Consolador Prometido por Yeshua (João 14:16-26), de forma única. Ou seja, nenhuma outra religião ou filosofia é o Santo Espírito ou Paracleto presente na expressão do Homem de Nazaré (Editorial ECK, 2025; Franzolim, 2021; Henrique & Braga, 2025; Viana & Henrique, 2022);
  7. O Brasil é o “coração do mundo e pátria do evangelho”, destinado a ter proeminência no processo de depuração planetária, pois aqui estarão os Espíritos mais adiantados que irão guiar o progresso dos demais que encarnaram em outros países (Antunes, 2024; Henrique, 2023; Lex, 2025; Netto, 2023);
  8. O Espiritismo é uma religião, apesar de ser diferente das demais – mas quem consegue explicar isso? (Henrique, 2021c);
  9. Os Espíritos que ditaram mensagens/obras após a morte de Kardec, sobretudo por intermédio de médiuns brasileiros, são “Espíritos Superiores” que complementam as informações trazidas nas 32 obras de Kardec, razão pela qual devemos aceitar sem contestação qualquer página por eles assinada, confiando na “legitimidade” e na “moralidade” do psicógrafo e da editora (Antunes, 2024; Henrique, 2018b; Miranda, 2021; Netto, 2023; Santos, 2024; Saraiva, 2021); e
  10. As edições publicadas postumamente, mas atribuídas a Kardec – os livros “O Céu e o Inferno” e “A Gênese” – são verdadeiras e devem ser utilizadas, pois, mesmo não tendo sido publicadas por Kardec e não havendo como admitir que uma obra seja organizada e impressa com a assinatura de um autor falecido, mesmo assim, devem ser acreditadas (Denisard, 2023; Espiritismo COM Kardec, 2025; Garcia, 2023; Moreira, 2023).

Há limites para o livre pensar, convenhamos. Livre pensar não é apenas pensar; é preciso ter lógica e racionalidade – requisitos do entendimento espírita – para fundamentar as ideias. Caso contrário, elas não passarão de meras opiniões ditas sem o compromisso com a verdade, conforme a Doutrina dos Espíritos e sua metodologia baseada no Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos (CUEE).

Muitos, inclusive, não agem de má-fé. É importante destacar que, nessas situações, são os elementos da fé pessoal – seja ela religiosa ou cultural – que os levam a afastar qualquer argumento ou evidência apresentada pelos fatos. Uma espécie de “cegueira”, que o próprio Yeshua, há dois mil anos, já teria evidenciado ao afirmar: “Deixai-os; são cegos, guias de cegos. Ora, se um cego guiar outro cego, cairão ambos no barranco” (Mt 15:14).

E os buracos que atraem os negacionistas são muitos!

Referências

  • Alves, A. “A Terra é azul”: há 60 anos, o homem chegava à órbita do planeta. Agência Brasil. Disponível em: agenciabrasil.ebc.com.br. Acesso em 10 jun. 2025.
  • Brasil Escola. Gravitação Universal. Disponível em: brasilescola.uol.com.br. Acesso em 10 jun. 2025.
  • Espiritismo COM Kardec (ECK). (2024). As 32 Publicações de Allan Kardec – Arquivo PDF 2024. (Link removido).
  • Espiritismo COM Kardec (ECK). Dossiê Adulteração. (2025). (Link removido).
  • Guimarães, L. (2024). Saiba o que é mito e o que é verdade sobre a ida dos humanos à Lua. CNN Brasil. Disponível em: cnnbrasil.com.br. Acesso em 10 jun. 2025.
  • Henrique, M. (2021). Separar Jesus do Cristo! (Link removido).
  • Henrique, M. (2023). Nem coração, nem pátria! (Link removido).
  • Henrique, M. (2025). Ensaio: “A Ciência avançou de 1868 para cá?”. (Link removido).
  • Kardec, A. (2004). O livro dos Espíritos. Livro Segundo. Cap. I, Item VI. Trad. J. Herculano Pires. 64. Ed. São Paulo: LAKE.
  • Lex, A. (2025). Roustainguismo: uma deturpação do Espiritismo. (Link removido).
  • Oliveira, N. (2024). Quantas pessoas pisaram na Lua? Tecmundo – Ciência. Disponível em: tecmundo.com.br. Acesso em 10 jun. 2025.
  • Paraná. Secretaria Estadual de Educação. Astronomia: geocentrismo e heliocentrismo. Disponível em: ciencias.seed.pr.gov.br. Acesso em 10 jun. 2025.
  • Pires, J. H. (2025). A desfiguração do Cristo. (Link removido).
  • Silva, G. L. (2025). O traidor da Doutrina Espírita. (Link removido).

Deixe um comentário