Humor e falta de amor: o caso Léo Lins, por Marcelo Teixeira – Portal Espiritismo com Kardec – ECK

Se quisermos que nossos direitos sejam respeitados, respeitemos o direito alheio. Se quisermos ser tratados com justiça e educação, façamos o mesmo com as pessoas à nossa volta. Se não quisermos ser vítimas de preconceito social, racial, religioso, sexual, etc., respeitemos o próximo e suas diferenças. E se quisermos que o riso corra saudável para divertir as pessoas e fazê-las acordar para movimentos que precisam acontecer para mudar a sociedade para melhor.

Gosto de comentar sobre acontecimentos políticos e sociais à luz dos pressupostos espíritas. Para mim, a Doutrina Espírita é um organismo vivo e dinâmico que vive em constante atualização. Por isso, requer de nós constante sintonia com o que vai pelo Brasil e pelo mundo. Assim, podemos contribuir, mesmo que timidamente, para que os leitores – sejam ou não espíritas – percebam que o Espiritismo kardecista pode oferecer bem mais do que se supõe.

Foi com esse pensamento que mergulhei no caso do humorista brasileiro Léo Lins. Em junho de 2025, ele foi condenado pela justiça a uma pena de pouco mais de oito anos de prisão e ao pagamento de uma multa vultosa por proferir piadas ofensivas contra diversos grupos sociais, durante um show realizado em 2022, que foi filmado e viralizou na internet. A sentença teve como base os crimes de racismo e discriminação generalizada, pois, como bem observou o jornalista Ricardo Mello, nas redes sociais Léo Lins praticamente “gabaritou” o Código Penal. Ofendeu negros, pessoas com diferentes deficiências (nanismo, surdez etc.), soropositivos, mulheres, vítimas de pedofilia, imigrantes, crianças, pobres, idosos, indígenas, pessoas que já desencarnaram em tragédias… Foi um show de horrores, não um espetáculo de humor! O caso, contudo, ainda não está encerrado, cabendo recurso.

Como o humorista mesmo roteirizou seu desempenho e não se mostrou inocente no que diz respeito a direitos e deveres, sabia muito bem o risco de, de forma deliberada, disparar uma verdadeira metralhadora depreciativa. Foi xenófobo, capacitista, homofóbico, racista, etarista, aporofóbico e misógino – tudo de uma vez só!

Branco de olhos claros, heteronormativo e de boa situação financeira

Léo Lins, por essa razão, faz parte de um grupo que raramente é alvo de piadas preconceituosas – o homem branco, heterossexual e de classe média alta. Não estou afirmando que todos os homens brancos, heterossexuais e de pele alva possuem a mesma conduta ou pensamento do infeliz comediante, mas é importante frisar que esses homens não são perseguidos ou criticados por serem como são. Eles pertencem a um grupo historicamente privilegiado que se julga acima da lei. Como evidência, podemos citar a quantidade de humoristas brancos que saíram em defesa de Léo Lins, alegando que a condenação foi exagerada, que houve censura e que o humor não pode sofrer esse tipo de sanção.

Devemos ter em mente que o que Léo Lins fez não foi humor, mas sim um discurso de ódio disfarçado de entretenimento. Quando um ou mais grupos – especialmente os historicamente perseguidos – são intimidados com piadas grosseiras, há a reafirmação de que existe um grupo privilegiado e intocável, neste caso o homem branco heterossexual, fisicamente impecável, que tem liberdade para ofender aqueles que não se enquadram nesse padrão. Isso é grave!

Muitos que defendem Léo Lins podem argumentar que o humor brasileiro está repleto de personagens preconceituosos que desprezam as chamadas minorias. Entre eles, o deputado Justo Veríssimo – criado e interpretado por Chico Anysio (1931-2012) –, que nos brindou com personagens inesquecíveis e, movido por um desprezo pelos pobres, articulava bordões como “Pobre tem que morrer” e “Quero que pobre se exploda”. Na mesma linha, a Senhora dos Absurdos, genial criação do humorista Paulo Gustavo (1978-2021), moradora do Leblon, de alta classe média carioca, lançava ofensas preconceituosas aos gays, pobres e demais grupos considerados minoritários.

Entretanto, tanto Justo Veríssimo quanto a Senhora dos Absurdos foram personagens criados para mostrar a crueldade, hipocrisia e fascismo que podem permear as elites deste país, marcadas por uma mentalidade escravagista, patriarcal e homofóbica. Essas elites se valem da cor da pele e do poder econômico para intimidar, perseguir e, muitas vezes, eliminar aqueles considerados inferiores. Ambos os personagens configuram uma crítica social bem construída, feita de forma ácida e cruel, mas com o intuito de denunciar a necessidade de combater aqueles que se julgam superiores, em prol de um mundo onde oportunidades, direitos e deveres sejam para todos.

Com Léo Lins o caso é diferente

Diferentemente dos exemplos citados, Léo Lins, sem disfarces, ataca e debocha de crianças passando fome, pessoas com HIV, da comunidade LGBTQIAPN+ e das vítimas do incêndio da boate Kiss. Enquanto Chico Anysio e Paulo Gustavo convidavam o público a rir com eles, expondo o quão patéticas podem ser as atitudes de pessoas egoístas e cruéis perante suas vidas medíocres, Léo Lins se mostra abertamente egoísta e cruel ao incitar o público a se unir para zombar daqueles que sofrem preconceitos. São casos completamente distintos.

Vários jornalistas e cientistas sociais ressaltaram que a liberdade de expressão termina quando ela machuca outra pessoa, seja de forma física ou emocional. Se um discurso incita o público a ferir o próximo, não se trata de humor. O agravante é que o autor é um branco privilegiado que se aproveita do fato de ser quem é para ampliar seu discurso discriminatório. Assim, o ocorrido configura, em múltiplas ocasiões, um crime de racismo recreativo, pelo qual ele ofendeu diversos grupos em um único show. Por essa razão, a pena foi proporcional à gravidade dos atos. Não se trata de censura, mas da responsabilidade legal de alguém que se vale de seu privilégio para reforçar estigmas e estereótipos que desumanizam as pessoas.

Em “O Livro dos Espíritos”, no capítulo referente à lei de justiça, amor e caridade, Allan Kardec apresenta diversos argumentos para afirmarmos que liberdade de expressão não pode ser confundida com licença para oprimir, e que a comédia existe para rirmos das imperfeições humanas – inclusive as nossas –, jamais da dor alheia.

Na questão 873, Kardec explica que o sentimento de justiça está tão enraizado na natureza humana que nos revoltamos diante da simples ideia de uma injustiça. É por isso que muitas vozes se levantaram contra o humor inadmissível de Léo Lins, a ponto de sua conduta ser enquadrada dentro da lei. E, como a mesma questão demonstra que homens simples e com pouca cultura, por vezes, possuem um senso de justiça mais aguçado do que muitos instruídos, não surpreende que o corporativismo tenha prevalecido sobre o sentimento de caridade, unindo colegas de profissão na tentativa de salvar a pele do réu/comediante.

Essa reação dos privilegiados é confirmada na questão 874, onde Kardec ressalta que os homens costumam interpretar a justiça de maneira distinta, em razão da mistura de paixões humanas – neste caso, o privilégio social e o orgulho de ser branco. Assim, o protesto daqueles que consideram injusta a punição aplicada apenas reafirma o fato de que a sanção foi, de fato, justa.

Por fim, a questão 876 encerra o assunto ao lembrar o ensinamento de Jesus, que disse: devemos querer para os outros aquilo que queremos para nós mesmos.

Em suma, se quisermos que nossos direitos sejam respeitados, respeitemos o direito alheio. Se desejamos ser tratados com justiça e educação, façamos o mesmo com as pessoas ao nosso redor. Se não queremos ser vítimas de preconceito social, racial, religioso, sexual, etc., que praticemos o respeito pelo próximo e suas diferenças. E se queremos que o riso sirva para divertir e despertar as pessoas para os movimentos que transformem nossa sociedade para melhor, tenhamos sempre em mente a frase do filósofo russo Mikhail Bakhtin (1895-1975): “O riso deve ser usado para desestabilizar quem pratica o mal e não para ridicularizar quem sofre o mal.”

Referências

  • INSTAGRAM – Cris Guterres, jornalista.
  • INSTAGRAM – Josué Alves, professor de história e geografia.
  • INSTAGRAM – Luiza Mandela, letramento racial.
  • INSTAGRAM – Ricardo Mello, jornalista.
  • INSTAGRAM – Wanderson Dutch, escritor e ativista.
  • KARDEC, Allan – O Livro dos Espíritos, 60ª edição, 1984, Federação Espírita Brasileira (FEB), Brasília, DF.
  • SPLASH, Uol – Léo Lins: entenda a condenação e possibilidade de prisão do humorista.

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