Cidadania e Meio Ambiente: a questão do lixo, por Marcelo Henrique – Portal Espiritismo com Kardec – ECK

Tempo de leitura: 5 minutos

Cidadania e Meio Ambiente: a questão do lixo

Marcelo Henrique

No âmago da questão do lixo está um componente eminentemente pedagógico: a conscientização humana, derivada da noção de responsabilidade, comprometimento e participação. Trata-se de um valor fundamental de cada indivíduo, baseado na reeducação de comportamentos e no investimento numa nova cultura.

A vida na modernidade apresenta contornos específicos e problemas marcantes. Muitos desses desafios, cuja projeção para o futuro aponta para situações de grave impacto – chegando, em certos casos, à inviabilidade – estão relacionados ao aumento da concentração de pessoas em núcleos urbanos de médio e grande porte. Essa intensificação populacional gera problemas como o aumento da violência, a expansão desenfreada das cidades, a deficiência na limpeza urbana e no saneamento, além de diversas formas de poluição (sonora, visual, do ar, do solo e da água), desmatamento e a redução de áreas comuns para circulação e lazer.

Existe uma busca incessante por melhores oportunidades e condições de vida – a “busca pelo éden” – que, em contraponto, frequentemente resulta em submoradia, subemprego e na falta dos mínimos padrões de qualidade de vida para uma parcela significativa da população mundial.

Um dos problemas mais prementes dos núcleos urbanos é a questão da coleta e da destinação de resíduos sólidos

Em primeiro plano, nota-se a ausência de uma conscientização constante para a reciclagem de materiais. Consequentemente, quase todo o lixo produzido – independentemente de sua origem (orgânicos e não-orgânicos, como papéis, plásticos, metais e até produtos radioativos) – é acondicionado nos mesmos recipientes, inviabilizando o reaproveitamento de grande parte dos materiais.

Em segundo plano, observa-se o esgotamento das áreas disponíveis para a destinação do lixo urbano. Muitos desses locais já se encontram saturados ou tendem a isso, além de que a abertura de novos locais depende de uma criteriosa burocracia, com a necessidade de pareceres ou relatórios de impacto ambiental, cuja obtenção é difícil diante do potencial danoso dos resíduos.

Em termos espirituais, é dever do ser inteligente contribuir para a conservação do meio ambiente, assim como para a sua própria preservação física. Isso pode ser comparado à diretriz contida nos itens 702 e 703 de “O Livro dos Espíritos”. Paralelamente, a Natureza está sujeita aos padrões imutáveis da Lei Divina (ou Natural), que equilibra as forças de conservação e destruição. No âmbito humano-social, é comum o homem agir de forma desidiosa, imprudente ou negligente, provocando catástrofes e reações violentas. Vale lembrar que a Natureza não pode ser responsabilizada pelos vícios da organização social, nem pelas consequências da ambição e do amor-próprio, conforme comenta Allan Kardec.

Meirelles reforça a ideia da proteção ambiental ao afirmar que ela visa à preservação da Natureza em todos os seus elementos essenciais à vida humana e à manutenção do equilíbrio ecológico, em meio ao ímpeto predatório das nações que, em nome do desenvolvimento, devastam florestas, exaurem o solo, exterminam a fauna e poluem as águas e o ar. Segundo o autor, a destruição ambiental está intimamente ligada ao crescimento populacional e aos avanços científicos e tecnológicos.

Flagrante é o dever estatal de promover a proteção ambiental

O Estado deve incentivar a proteção ambiental por meio de diversos instrumentos, dentre os quais destaca-se a política de desenvolvimento urbano, conforme a diretriz constitucional expressa no artigo 182 e a Lei Federal n. 10.257/01 (Estatuto da Cidade). Essa legislação visa o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e o bem-estar de seus habitantes.

Uma cidade sustentável depende, entre outros fatores, da correta destinação do lixo e do potencial de reaproveitamento dos materiais recicláveis. Esse processo deve ocorrer por meio da adoção de políticas claras, medidas constantes e estratégias que favoreçam tanto a gestão público-administrativa quanto a convivência e o progresso social.

Cada cidade com mais de 20.000 habitantes tem a obrigatoriedade de elaborar um novo Plano Diretor, instrumento básico da política municipal de desenvolvimento e expansão urbana. Esse plano deve contemplar cuidados com o meio ambiente, além de questões relativas ao recolhimento, reciclagem e destinação do lixo.

Partindo do princípio de que “tudo se transforma”, como preconiza o paradigma lavoisieriano, a transformação de hábitos deveria ser a conduta natural dos seres humanos. Contudo, na prática, o homem – esse animal inteligente – muitas vezes desperdiça aquilo que considera descartável ou desnecessário.

Há tempos, pessoas e instituições têm buscado alternativas para minimizar os impactos negativos do lixo gerado pela humanidade. Nesse sentido, surgiu a teoria dos três “R’s”: Reduzir, Reaproveitar e Reciclar. Em primeiro lugar, busca-se diminuir a quantidade de resíduos produzidos; se isso não for possível, deve-se fomentar a reutilização dos materiais que não estão em condições de descarte, evitando a necessidade de novos insumos; por fim, o material coletado pode ser submetido a processos produtivos de readaptação para ser reintroduzido no mercado ou, em último caso, utilizado para a geração de energia – uma solução que, apesar de gerar alguns custos, é consideravelmente mais vantajosa que a simples disposição em aterros.

Quatro categorias de produtos industrializados estão, em princípio, sujeitas à reciclagem: metais, plásticos, papéis e vidros, além dos materiais orgânicos, cujo destino mais comum é a adubação do solo.

A reciclagem do lixo é um processo complexo, que se inicia – e deveria iniciar – com a coleta seletiva. Essa prática incentiva ou obriga os cidadãos a separarem o lixo domiciliar em embalagens e recipientes específicos. Várias cidades já contam, por iniciativa pública ou privada, com centros especializados e veículos destinados à coleta seletiva, resultando em benefícios diretos (economicamente mensuráveis ou não) e indiretos, mesmo quando os custos financeiros sejam superiores aos do recolhimento convencional.

A coleta seletiva e suas vertentes

A coleta seletiva abrange quatro vertentes fundamentais:

  • Econômica: envolve todo um mercado ligado à seleção, transporte, transformação e comercialização dos materiais recicláveis;
  • Ambiental: possibilita a redução dos níveis de poluição e da degradação do meio ambiente;
  • Social: além do aspecto educacional, gera oportunidades de trabalho para pessoas muitas vezes excluídas do mercado formal;
  • Política: mobiliza governos, movimentos sociais e diversos atores interessados em mitigar os problemas sociais e discutir alternativas para seu enfrentamento.

No cerne da questão do lixo está, novamente, o componente pedagógico da conscientização humana – aquele que se fundamenta na responsabilidade, no comprometimento e na participação. Essa transformação comportamental, que se inicia com ações simples como separar, limpar e acondicionar corretamente os resíduos gerados no cotidiano, exige um esforço inicial para superar o comodismo, o ceticismo e a preguiça que muitas vezes acompanham a mudança de hábitos.

A reciclagem, portanto, é uma evidência de cidadania plena e um sinal de evolução para os indivíduos e coletividades que se dedicam a fazer com que as leis de conservação, destruição e evolução operem de forma natural, contribuindo decisivamente para a melhoria das condições materiais e espirituais do nosso planeta.

Referências

Brasil (1988). “Constituição Federal”. Constituição da República Federativa do Brasil.

Brasil (2001). “Lei Federal n. 10.257, de 10 de julho de 2001”. Estatuto da Cidade: Diretrizes Gerais da Política Urbana.

Brasil (2025). “O que é o Princípio dos 3R’s”. Ministério do Meio Ambiente. Responsabilidade Socioambiental. Produção e Consumo Sustentáveis.

Kardec, A. (2004). “O Livro dos Espíritos”. Trad. José Herculano Pires. 64. Ed. São Paulo: Lake, 2004.

Meirelles, H. L. (2000). “Direito Administrativo Brasileiro”. 25. ed. São Paulo: Malheiros.

Imagem de Niko Lienata por Pixabay

Deixe um comentário