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Torna-se indispensável para todo ser humano a adoção de um código básico que oriente sua comunicação com aqueles que o rodeiam, desde os que formam seu núcleo familiar até aqueles que habitam em seu entorno ou integram a sociedade como um todo. Um código de valores éticos e estéticos que, ao ser aplicado, favoreça o enriquecimento recíproco de quem emite e de quem recebe a mensagem – seja na ordem moral, social, cultural ou espiritual.
Em uma das fábulas mais conhecidas, Esopo utiliza esse precioso gênero literário para expressar que a língua – ou seja, a palavra – é a ferramenta mais poderosa e, ao mesmo tempo, a mais perigosa que dispomos para estabelecer relações de convivência. Com ela, transmitimos ideias, instruímos, dialogamos, assentamos as bases da filosofia e da ciência, expressamos sentimentos e construímos civilizações. Porém, ela também pode ser usada para mentir, caluniar, ferir, romper amizades e incitar guerras. A moral da história é clara: por ser uma arma de dois gumes, cabe a cada um decidir empregá-la de forma construtiva ou destrutiva.
Certeramente, as palavras são o material com o qual construímos, incessantemente, nossa existência. Elas nos permitem conectar com o mundo, forjar relações e estabelecer os vínculos que garantem a coexistência e a continuidade da espécie, nomeando o que existe – seja o tangível ou o intangível, o presente ou o ausente. A palavra falada nos torna humanos e, quando a utilizamos para enaltecer e impulsionar o melhor que há em nós, seguimos o caminho da evolução espiritual.
A função social da linguagem
Nossos ancestrais reuniam-se ao redor do fogo para compartilhar tanto o calor quanto as palavras. Sherazade sobreviveu mil e uma noites contando histórias para seu captor; bardos, jograis e trovadores teceram lendas, poemas e canções usando os fios invisíveis da voz; e até Jesus, o maior semeador de ideais, falou ao povo em parábolas, conectando seus ensinamentos ao cotidiano de pescadores, viúvas e samaritanos. Da mesma forma, Buda, Sócrates e outros mestres espirituais utilizaram a oralidade como instrumento essencial para transmitir sua mensagem.
Em todas as épocas e culturas, o ser humano precisa se conectar, e a linguagem se confirma como a melhor ferramenta para alcançar essa interação. Embora também usemos gestos e mensagens sutis, são as palavras, faladas ou escritas, que oferecem o veículo mais poderoso e claro para a comunicação direta entre as pessoas.
Desde que viemos ao mundo, em cada nova encarnação, as palavras, assim como os pensamentos, desempenham um papel essencial em nosso desenvolvimento
O cérebro do recém-nascido – integrado a um complexo sistema, junto ao Espírito que o orienta – recebe estímulos do ambiente e vai configurando os enlaces neurais, que facilitarão seus processos cognitivos e adaptativos. Falar aos bebês com ternura e em tom afirmativo durante os primeiros meses gera efeitos positivos a longo prazo, fortalecendo sua capacidade de raciocinar e de se relacionar com os demais.
Com o passar do tempo, à medida que a socialização se intensifica, crianças, jovens e adultos se reúnem para trocar ideias, compartilhar experiências, celebrar aniversários e festividades ou mesmo para oferecer apoio mútuo. Falar e compartilhar sentimentos se torna, assim, uma forma reconfortante de enfrentar as complexidades das sociedades modernas, onde o contato humano directo continua insubstituível, mesmo diante da rapidez das redes sociais.
As palavras podem adoecer ou curar
Na prática médica e psicológica, é amplamente comprovado o efeito terapêutico das palavras. Ao transmitir confiança, segurança e encorajamento, elas auxiliam o paciente em sua recuperação, reforçando a eficácia do tratamento e ajudando a superar crenças negativas que possam afetar seu bem-estar físico e emocional. Métodos como a psicanálise, a hipnose, a sofrologia, a logoterapia e a psicologia transpessoal exploram esse poderoso potencial curativo da expressão verbal.
Na experiência religiosa, que se estende por milênios em diversas culturas, orações, preces, mantras, hinos e súplicas são utilizados para operar prodígios, seja através da intercessão divina ou da atuação de seres espirituais. Como ensina Kardec, “A prece do coração é preferível à que podes ler, por mais bela que seja, se a leres mais com os lábios do que com o pensamento.”
Portanto, as palavras nunca são inócuas. Elas provocam sensações, instigam imagens mentais, dão vida e permanecem conosco, trazendo alegria ou revivendo lembranças dolorosas, inspirando ações e incentivando atitudes.
Um código moral fundado na Verdade, na Bondade e na Utilidade
Reconhecendo a extraordinária força das palavras – capazes de nos elevar ou rebaixar, de curar ou ferir, de construir ou destruir –, torna-se indispensável adotar um código básico que oriente nossa comunicação, seja com os familiares ou com a sociedade em geral. Esse código deve estar alicerçado em valores éticos e estéticos que promovam o enriquecimento mútuo, tanto no âmbito moral quanto no social, cultural e espiritual. Como bem expressou Montaigne: “A palavra é metade de quem a pronuncia e metade de quem a escuta.”
Para definir os elementos que compõem este código, recordamos a lição dos “três crivos de Sócrates”. Segundo esta anedota, antes de ouvir uma mensagem, o sábio exigia que ela passasse por três filtros: primeiro, se o que se pretendia dizer era verdadeiro; segundo, se era algo bom; e terceiro, se seria útil. Caso a mensagem não atendesse a todos esses critérios, ela não merecia ser ouvida.
A juízo do grande pensador grego, a verdade, a bondade e a utilidade constituem referências essenciais para uma comunicação honesta, saudável e construtiva
Nada revela mais quem somos do que nossa maneira de nos expressar. Ao falar, declaramos nossa identidade e evidenciamos o alcance de nossa formação cultural. Como afirmava Ludwig Wittgenstein, “Os limites da minha linguagem significam os limites de meu mundo.” Assim, nosso discurso deve estar em perfeita sintonia com o que honestamente pensamos e desejamos transmitir. Para isso, é fundamental dispor de um vocabulário rico e preciso, que permita escolher não apenas o termo correto, mas também aquele que seja mais harmonioso e agradável aos ouvidos dos nossos interlocutores, evitando o uso de expressões vulgares e ofensivas.
De maneira geral, nossas palavras devem ser cordiais, amáveis e gentis. Utilizá-las ao cumprimentar, agradecer, solicitar algo ou reconhecer os méritos do outro revela uma postura de respeito e consideração. Um simples “bom dia”, um “por favor” ou um “obrigado” podem transformar a interação e fortalecer os laços humanos.
Todos esses conceitos encontram eco na ética proposta pelo Espiritismo, que, alinhada ao ensinamento sobre a imortalidade da alma e sua contínua evolução, busca promover uma transformação moral que sustente a construção de uma sociedade melhor, mais justa, livre e amorosa.

Saint-Clair Lima é um estudioso dedicado do Espiritismo, com mais de 20 anos de vivência na Doutrina. Com sensibilidade e profundo respeito pelos ensinamentos de Allan Kardec, ele criou o blog Amparo Espiritual como um espaço de acolhimento, reflexão e partilha, inspirado por suas próprias experiências e pelo desejo sincero de auxiliar quem busca luz no caminho espiritual.