“A educação, se for bem entendida, será a chave do progresso moral” – Allan Kardec, “O livro dos Espíritos”, comentário após o item 917.
O ato de educar é uma ação primária, elementar e essencial à vida humana. Em determinado momento da História, o homem percebeu que poderia transmitir os conhecimentos adquiridos aos seus pares. Nos estudos acerca da História da Educação, não há uma data precisa, mas já na pré-história as crianças aprendiam com os mais velhos sobre cultura, conduta moral e o direcionamento da comunidade.
A palavra educar tem origem no latim “educare, educere”, que significa literalmente “conduzir para fora” ou “direcionar para fora”. Esse sentido era empregado para preparar as pessoas para o mundo e para viver em sociedade, conduzindo-as “para fora de si mesmas, mostrando as diferenças que existem no mundo”.
Na perspectiva da Doutrina Espírita, Denisard Hypollite Leon Rivail – discípulo de Johann Heinrich Pestalozzi, criador da pedagogia moderna – foi preparado por seu mestre para uma educação humanista e libertária, fundamentada na ideia de igualdade de direitos, em consonância com os princípios da Revolução Francesa que ecoavam na sociedade europeia.
É salutar refletir sobre as razões pelas quais o Codificador foi um professor, e não simplesmente um cientista, ainda que a doutrina tenha como pilar a ciência. A Doutrina Espírita foi decodificada por um professor que acreditava nas múltiplas possibilidades da humanidade, com uma mente aberta para aprender constantemente, despido de vaidade e disposto a agir segundo os ensinamentos dos Bons Espíritos, sem jamais perder de vista os princípios éticos e científicos que nortearam sua trajetória educacional.
Kardec iniciou seus contatos com os Espíritos a partir dos 50 anos, demonstrando que, independentemente das vidas pretéritas, é essencial ao Espírito vivenciar um período de aprendizado e maturação, adquirindo princípios por meio da leitura, da experiência encarnatória e da convivência com outros seres.
Em 1828, o Professor Hippolyte declarou: “Todo mundo fala da importância da educação; mas, para a maioria, esta palavra tem um significado extremamente vago, porque poucas pessoas chegaram a fazer uma ideia precisa de tudo o que ela abrange […]. A educação é a arte de formar homens, isto é, a arte de fazer eclodir neles os germes da virtude e abafar os do vício […]. Numa palavra, a meta da educação consiste no desenvolvimento simultâneo das faculdades morais, físicas e intelectuais”.
A Doutrina Espírita propõe a reeducação das almas, tendo Kardec como professor, Pestalozzi como seu mestre e Jesus como a maior referência – “Vós me chamais mestre e senhor e dizeis bem, porque eu o sou”, conforme afirmado no evangelho de João (13:13). É fundamental compreender que nossas almas necessitam e anseiam por conhecimento. O Espiritismo revela-se como uma oportunidade de educação eterna, mostrando que as dores, angústias e demais desafios – sejam físicos, familiares, políticos ou sociais – servem de recurso pedagógico para impulsionar a evolução e o aprimoramento moral interior.
Ao absorver os inúmeros aprendizados deixados por Kardec e sua vivência, percebe-se que o compilador da doutrina optou por fundar a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, em vez de uma escola espírita, pois a dinâmica de uma sociedade educacional permite que todos estejam simultaneamente na posição de aprendiz e de mestre. Dessa forma, ninguém está isento de ensinar ou de aprender, pois estamos na Terra para evoluir, trazendo conosco as experiências acumuladas ao longo da vida. Dentro dessa sociedade, cada participante era responsável por construir coletivamente o conhecimento, promovendo discussões que beneficiavam não só o grupo, mas também a sociedade. Essa concepção está em consonância com o que afirmou o educador Paulo Freire: “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”.
Antes de se imortalizar como Allan Kardec, o Sr. Rivail já havia publicado diversos livros didáticos que contribuíram para o processo educacional francês, como o Curso Completo Teórico e Prático de Aritmética (1845), o Plano Proposto para a Melhoria da Educação Pública (1828), a Gramática Francesa Clássica (1831), entre outros, demonstrando sua competência e ativa dedicação à educação social dos povos.
Ao analisar a história da Humanidade, fica cada vez mais evidente a importância da educação como pilar do desenvolvimento humano. As grandes sociedades foram construídas a partir do questionamento e do desenvolvimento do senso crítico, o que impulsionou o avanço científico.
No Brasil, destaca-se a figura de uma mulher pioneira na legislação educacional, cuja iniciativa instituiu o dia 15 de outubro como o Dia do Professor, demonstrando que a tarefa educativa vai muito além das fronteiras do Espiritismo e está intrinsecamente ligada ao progresso da humanidade. Homologada em 1948 pelo governador José Boabaid, a lei antecedeu, em cerca de 15 anos, o reconhecimento nacional da data, sendo o decreto federal assinado em 1963 pelo então presidente da República João Goulart.
Antonieta de Barros, nascida em Florianópolis, Santa Catarina, em 11 de junho de 1901, teve uma infância marcada pela pobreza e pelo preconceito decorrente de sua origem humilde e cor, sendo órfã de pai e criada por sua mãe, uma escrava liberta que trabalhava como lavadeira. Alfabetizada aos cinco anos, Antonieta tornou-se professora, oradora, jornalista, escritora e militante, fundando em 1922 o “Curso Particular Antonieta de Barros”.
Ingressando na política em 1934, Antonieta foi a primeira mulher negra a ser eleita deputada estadual no Brasil, defendendo temas como o trabalho filantrópico, os direitos das mulheres – incluindo o voto feminino e a participação na política –, a implementação de concursos públicos para o magistério, eleições para cargos de direção escolar, a igualdade salarial entre professores e professoras, a educação de adultos e a aproximação entre crianças carentes e os livros, assuntos de grande relevância na sociedade atual.
Em um dos seus discursos, Antonieta afirmou: “Educar é ensinar os outros a viver; é iluminar caminhos alheios; é amparar os debilitados, transformando-os em fortes; é mostrar as veredas, apontar as escaladas, possibilitando avançar, sem muletas e sem tropeços; é transportar às almas que o Senhor nos confiou a força insuperável da Fé”. Tais palavras reforçam que o conhecimento intelectual isolado não é suficiente para provocar a revolução interna necessária – a transformação passa pelo afeto, pela atenção e pelo amor, elementos indispensáveis à formação integral de um ser humano.
O papel dos centros espíritas, por meio das atividades voltadas à evangelização de crianças e jovens, é de extrema importância nesse processo educativo, alcançando todos os envolvidos no ato de ensinar e aprender.
Feliz é o momento de homenagear dois Espíritos que assumiram a missão de transformar não só a própria existência, mas a de todos aqueles que passaram por suas salas de aula. O ato de ensinar e de aprender conecta o homem à Espiritualidade de forma profunda e especial, pois Deus é o grande mestre que nos ensina, através de Sua criação, que o amor é a ferramenta mais poderosa – talvez a única – para a transformação.
Fontes:
- Kardec, A. (2004). “O livro dos Espíritos”. Trad. J. Herculano Pires. 64. Ed. São Paulo: LAKE.
- Dicionário Etimológico. Disponível em https://www.dicionarioetimologico.com.br/educar/. Acesso em 4. mai. 2025.
- Rivail, H. L. D. “Textos Pedagógicos”. São Paulo: Comenius, 1998.
- Coutinho, A., & Sousa, J. G. “Enciclopédia da Literatura Brasileira”. São Paulo: Global Editora; Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional/DNL: Academia /Brasileira de Letras, V. I. 335.
- Bittencourt, A. “Dicionário bibliográfico de mulheres ilustres, notáveis e intelectuais do Brasil”. Rio de Janeiro: Pongetti, 1969-72, V. I, II e III.
- Mott, M. L. B. Escritoras Negras resgatando a nossa história. In: “Papéis Avulsos”, 13. Rio de Janeiro: CIEC – Centro Interdisciplinar de Estudos Contemporâneos/UFRJ, 1989.
- Fontão, L. “Nos passos de Antonieta: escrever uma vida”. Tese (Doutorado em Literatura). Florianópolis: UFSC, 2010.
- Pisani, J. S. Antonieta de Barros. In: Duarte, E. A. (Org.). “Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica”. V. 1, Precursores. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.
- Romão, J. “Antonieta de Barros: professora, escritora, jornalista, primeira deputada catarinense e negra do Brasil”. Florianópolis: Ed. Cais, 2021.
- Kardec, A. “O que é o Espiritismo”. Biografia de Allan Kardec, por Henri Sausse. E-book.
- Kardec, A. “Obras Póstumas”. “Biografia de Allan Kardec”; “Discurso pronunciado junto ao túmulo de Allan Kardec, por Camille Flammarion”; 2ª Parte: “Extratos, in extenso, do livro das previsões concernentes ao Espiritismo”. E-book.
- Kardec, A. “Revue Spirite”. Coleção de 1857 a 1869.
- Abreu, C. “O Livro dos Espíritos e sua Tradição Histórica e Lendária”. E-book.

Saint-Clair Lima é um estudioso dedicado do Espiritismo, com mais de 20 anos de vivência na Doutrina. Com sensibilidade e profundo respeito pelos ensinamentos de Allan Kardec, ele criou o blog Amparo Espiritual como um espaço de acolhimento, reflexão e partilha, inspirado por suas próprias experiências e pelo desejo sincero de auxiliar quem busca luz no caminho espiritual.