Sobre a Fratelli Tutti, por Klebber Maux Dias – Portal Espiritismo com Kardec – ECK

A Encíclica Fratelli Tutti versa sobre a fraternidade e a amizade social, publicada pelo Papa Francisco em três de outubro de 2020. O título, que vem do italiano e significa “Todos irmãos”, é uma citação de São Francisco de Assis, cuja visão humanista inspirou o Papa, o “papa da simplicidade”. Essa visão é centrada na solidariedade como caminho para combater a desigualdade econômica e aliviar o sofrimento dos excluídos, que vivem à margem da dignidade humana. A finalidade do documento é destacar a necessidade de construir uma sociedade inclusiva, que promova a compaixão pelos empobrecidos, favoreça a felicidade individual e contribua para o bem-estar coletivo.

O pontifício foi escrito para um mundo marcado pelo ódio e por múltiplas crises sociais, econômicas e sanitárias, especialmente pela pandemia de COVID-19, que intensificou ainda mais as desigualdades. O Papa, conhecido como o “papa dos vulneráveis”, ressalta que a crise global de saúde se tornou um momento de reflexão, deixando expostas as fragilidades de nossos sistemas social e econômico. Assim, seus temas centrais giram em torno da fraternidade – a ideia de que todos os seres humanos, independentemente de nacionalidades, religiões ou condições sociais, são irmãos – e das relações de amizade construídas sobre a empatia, o respeito mútuo, o diálogo e o cuidado com os desamparados para edificar uma sociedade mais justa e solidária.

A Encíclica também critica os efeitos negativos da globalização, que frequentemente destrói o comércio local e gera exclusões e desigualdades. Ao denunciar um sistema econômico que prioriza o lucro em detrimento das pessoas vulneráveis, o Papa defende uma economia orientada pelo bem comum. Além disso, o documento aborda os perigos do individualismo excessivo, que enfraquece o senso de pertencimento e desintegra os laços sociais, e denuncia os danos provocados pela cultura do descartável, que se estende ao desprezo pelas pessoas, refletindo na marginalização de comunidades como imigrantes, pessoas com deficiência e os mais necessitados.

Outro tema é a defesa da paz, entendida não apenas como a ausência de guerra, mas como um esforço contínuo pela construção de uma sociedade justa, onde os direitos de todos sejam respeitados. O texto destaca os conflitos regionais, a violência e os desafios das migrações forçadas, convocando um empenho maior na resolução pacífica dos conflitos e sugerindo a solidariedade e a corresponsabilidade social como caminhos para enfrentar crises globais, sejam elas ambientais ou de extrema pobreza. Por fim, a encíclica reforça a urgência do diálogo inter-religioso para promover o respeito entre diferentes culturas e superar as divisões ideológicas por meio de valores universais, como a unidade na diversidade.

Na Fratelli Tutti e os desafios contemporâneos

No atual cenário de tensões globais, polarizações políticas, crises humanitárias e problemas ambientais, o Papa convoca a humanidade a refletir sobre a construção de uma sociedade em que a fraternidade deixe de ser apenas um conceito e se transforme em práticas concretas e inclusivas, fundamentadas no respeito, na dignidade humana e no bem-estar de todos. A proposta é a de uma humanidade interconectada, capaz de superar o ódio, as guerras, a fome e as discriminações. A seguir, destacam-se algumas citações da encíclica:

Amor universal que promove as pessoas:

“Todo ser humano tem o direito de viver com dignidade e de se desenvolver integralmente, e nenhum país pode negar-lhe esse direito fundamental. Todos o possuem, mesmo aqueles que enfrentam limitações devido ao lugar onde nasceram ou às dificuldades que encontraram ao longo da vida. De fato, isso não diminui a imensa dignidade de cada pessoa, que se fundamenta não nas circunstâncias, mas no valor intrínseco do seu ser. Quando esse princípio elementar não é preservado, não há futuro para a fraternidade nem para a sobrevivência da humanidade.” (Fratelli Tutti, n. 107)

Conclui-se que toda pessoa possui uma dignidade inviolável, que deve ser reconhecida e respeitada em todos os momentos e em qualquer lugar, sem exceção.

A eficiência do melhor de si:

“A simples proclamação da liberdade econômica, enquanto as condições reais impedem que muitos possam efetivamente ter acesso a ela (…), torna-se um discurso contraditório.” (Fratelli Tutti, n. 110)

Enquanto palavras como liberdade, democracia e fraternidade perdem seu significado quando, na prática, “enquanto o nosso sistema econômico-social continuar a produzir até mesmo uma única vítima e enquanto houver uma pessoa descartada, não poderá haver a celebração da fraternidade universal” (Encíclica Laudato Si), é necessário garantir que todos sejam acompanhados ao longo da vida para oferecer o melhor de si, independentemente de sua eficiência ou rendimento.

Sobre a economia a serviço das pessoas:

“A economia mundial deve ser repensada para que o centro sejam as pessoas e não o lucro, garantindo os direitos essenciais e a dignidade de todos.” (Fratelli Tutti, n. 122)

Sobre amor político e o bem comum:

“A política, que é uma das mais altas formas de caridade, deve ser vivida de maneira a promover o bem comum.” (Fratelli Tutti, n. 180)

Sobre a cultura do encontro:

“Falar de uma cultura do encontro significa que, como povo, nos apaixona a ideia de nos encontrarmos, de procurar pontos de contato, de construir pontes e de projetar algo que envolva a todos. Isso se tornou uma aspiração e um estilo de vida. O sujeito dessa cultura é o povo, não um segmento da sociedade que tenta manter a paz por meio de recursos profissionais e mediáticos.” (Fratelli Tutti, n. 216)

O que se propõe é justamente uma cultura do encontro, capaz de superar as divisões e abrir caminho para um novo espírito de solidariedade.

Sobre o pacto cultural:

“Quando uma parcela da sociedade tenta se apropriar de tudo o que o mundo oferece, ignorando a existência dos pobres, chegará o momento em que isso trará consequências. Ignorar a existência e os direitos dos outros inevitavelmente gera, mais cedo ou mais tarde, alguma forma de violência, muitas vezes inesperada. Os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade correm o risco de permanecer em meras formalidades, pois não são verdadeiramente acessíveis a todos. Assim, não se trata apenas de promover um encontro entre aqueles que detêm várias formas de poder econômico, político ou acadêmico; um verdadeiro encontro social exige um diálogo genuíno entre as grandes manifestações culturais que representam a maioria da população. Muitas vezes, as boas propostas não são acolhidas pelos setores mais pobres porque são apresentadas com uma roupagem cultural que não lhes diz respeito e com a qual não podem se identificar. Portanto, um pacto social realista e inclusivo deve ser também um ‘pacto cultural’, que respeite e acolha as diversas visões de mundo, culturas e estilos de vida que coexistem na sociedade.” (Fratelli Tutti, n. 219)

Sobre consumismo:

“O individualismo consumista gera inúmeros abusos. Os outros passam a ser vistos como meros obstáculos à própria tranquilidade, sendo tratados como incômodos, o que acaba por aumentar a agressividade. Esse comportamento se intensifica e atinge níveis alarmantes em tempos de crise, em situações catastróficas ou em momentos difíceis, quando prevalece o espírito do ‘salve-se quem puder’. No entanto, ainda é possível escolher o cultivo da amabilidade; há pessoas que conseguem isso, tornando-se luz no meio da escuridão.” (Fratelli Tutti, n. 222)

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